Por Sidnei Ferreira de Vares
Como afirma Jean Lacoste, se a filosofia da arte começa com
Platão (e de fato isso é verdade se considerarmos seus escritos), ela principia
com a condenação da arte. Embora Platão tenha nascido, crescido e vivido numa
época em que Atenas respirava a reformulação processada por Péricles, inclusive
do ponto de vista das belas artes, e tenha recebido, como grande parte dos
jovens de sua época, uma educação que conferia um lugar proeminente aos poetas
(principalmente Homero e Hesíodo), vai voltar-se contra a poesia, a pintura, o
discurso escrito, a escultura e os cenários dos teatros.
A compreensão da beleza em Platão passa necessariamente por
sua teoria das idéias, sem a qual fica difícil alocar e discorrer sobre o belo.
Como afirma Ariano Suassuna, a teoria platônica da arte e da beleza está
atrelada a sua visão de mundo. Como é sabido, Platão divide o universo em dois
mundos: como diz Ortega y Gasset, o mundo em ruínas e o mundo em
formas. Aquele é o que temos diante dos olhos, um mundo de transformações e
mudanças intensas, onde nada permanece e tudo se esvai, no sentido mais típico
do pantha-reiheraclitiano, o mundo da feiúra e da decadência. Este, por
sua vez, é o mundo do autêntico, das idéias puras ou essências, do eterno e imutável
que existe e sempre existirá, no sentido proposto por Parmênides e pela
exatidão da matemática que Platão tanto admirava. O mundo das idéias no qual a
verdade, a beleza e o bem são essências superiores, arquétipos imutáveis que
servem de formas, modelos às coisas do mundo do sensível, este marcado pela
mutabilidade, pela imperfeição. E tendo como pano de fundo esse sistema binário
que Platão refletira a questão da beleza. Desde já cumpre lembrar que as
alusões deste à arte não se aproximam das modernas concepções de belas-artes.
Longe disso, Platão designa arte tudo aquilo que se refira a um saber-fazer, ou
seja, a uma ação puramente técnica que se estende a muitas áreas como a
política, a poesia, a marcenaria, a retórica, etc. Platão está longe de partilhar
da mesma visão dos modernos no concernente à arte, sendo, portanto, porta-voz
de uma cultura que relaciona arte e técnica, usando um conceito por outro.
Em sua obra A República, Platão, por meio de
Sócrates, erige uma sociedade próxima da perfeição cujo fio condutor é a
justiça. No livro X da referida obra, Platão alerta sobre o perigo que os
poetas representam para seu intento, sendo a poesia definida como arte da
imitação ou mimese.
A mimese ou imitação, nos diz Harold Osborne (1974: 52), se
desenvolveu entre os séculos sexto e quinto a. C. na Grécia, e pode ser
encontrada em manifestações artísticas distintas, como a escultura, a pintura,
cenários, etc., tendo por escopo reproduzir similares convincentes dos
objetos que representavam. As pinturas e as esculturas eram admiradas pela
aproximação com a realidade. O critério utilizado pelos artistas é o da
verossimilhança ilusionística, ou seja, de produzir simulacros, sendo que essa
técnica perdurou durante toda antiguidade clássica (OSBORNE, 1974: 54-57).
Segundo Osborne, Platão utilizava o termo “mimese” para expressar a relação em
que determinadas coisas empíricas se encontravam com o conceito geral que as
abrange. Todavia, também aplica o termo para falar da poesia, escultura e
pintura, e critica principalmente o poeta por iludir os ouvintes, já que se
recusa a falar na primeira pessoa dando a entender de que são os personagens
que estão a falar.
Como alerta Jean Lacoste, a arte mimética questionada por
Platão, tem suas raízes mais profundas na sua concepção do ser e da verdade. Em
outras palavras, o ser é aquilo que é justamente porque dispõe de uma
identidade ou essência. O ser é então definido como idéia que se opõe ao devir.
As essências, compreendidas como realidades perfeitas têm correlatos no mundo
sensível. Se um artesão faz uma cadeira, esta só pôde ser feita a partir de uma
idéia universal de cadeira. De certo modo, o artesão imita uma idéia que
preexiste a cadeira feita por ele. Não foi ele que produziu a idéia de cadeira,
mas apenas tentou aproximar-se dessa idéia. Todavia, uma vez concluída a sua
obra, esta não é perfeita tal como a idéia que lhe serviu de modelo. Mas embora
sua cadeira não seja perfeita como a idéia que a gerou, ela “participa” em
algum grau da perfeição da cadeira real (ideal), tendo em vista que a teve como
modelo. Ora, o escultor, o pintor, o poeta, são como artífices, pois também
produzem objetos, mas, diferentemente daqueles, o fazem por um processo de
imitação da imitação, pois têm como modelos não as essências, mas coisas
produzidas pelos homens. Um pintor ao pintar um sapato, apreende uma parte da
realidade, embora sua pintura nos dê a impressão de totalidade. Ao pintar um
sapato, o pintor não sabe fazer um sapato, pois não é sapateiro, mas tem como
modelo um sapato produzido pelo sapateiro e não o conceito de sapato.
Para Platão, as essências correspondem à realidade, o
trabalho de um artesão corresponde a uma imitação da realidade, enquanto a
produção de um escultor, poeta ou pintor uma imitação da imitação da realidade,
estando, portanto, mais afastada da realidade, distanciada em relação ao ser.
As belas-artes, termo que Platão desconhecia, são simulacros, sendo os poetas
simuladores de virtude, e é por isso que o autor faz pesadas críticas a eles.
Na obra O Sofista, Platão divide as artes em duas, a
saber: a arte de aquisição(pesca, caça, guerra, etc.) e a arte de
produção. Esta última de dividem em duas partes: a arte de produção de coisas
reais e a arte de produção de simulacros, no qual se enquadram as belas-artes.
Mas a arte de produção de simulacros (mimese), ainda pode ser dividida entre
aquelas que procuram produzir o modelo real em sua inteireza e simetria
(tamanho, forma) e aquelas que se deviam para a criação da ilusão. A época em
que Platão viveu já contava com algumas inovações no que se refere à pintura.
Técnicas de perspectiva (profundidade e volume) revolucionam os cenários
teatrais e criam falsas impressões sobre a realidade. Platão questiona essas
técnicas, pois essas iludem o expectador, que se compara a uma
feitiçaria. Platão, portanto, compara essas técnicas (trompe d´oiel) à
arte dos sofistas, cujo objetivo também era ludibriar, gerando falsos prazeres,
principalmente quando são avistas a distância, pois de perto podem ser
facilmente identificadas. Pintores, poetas, escultores e sofistas são alocados
dentro de um mesmo rol: o dos enganadores e, portanto, a arte mimética é vista
como uma ilusão que faz esquecer as coisas verdadeiras.
Numa outra obra As Leis, Platão reconhece a importância
da música (canto e dança) para a educação dos jovens, mas esse
reconhecimento é seguido de sérias ponderações sobre sua utilização, tendo
em vista que a música trata das paixões humanas devem ser regulamentadas. A
mimese para Platão constitui uma arte de inferioridade ontológica por se
afastar das realidades verdadeiras. Mas Platão também institui uma teoria do
belo. Ao analisar a questão do belo em Platão, Suassuna afirma que a alma é
sempre atraída para a beleza, haja vista ter contemplado no mundo das essências
a Beleza Absoluta e dela sentir imensuráveis saudades. A decadência da alma
para o mundo sensível, mas precisamente no cárcere que é o corpo, afastou-a de
beleza absoluta do mundo das idéias. Algumas almas recordam com maior
facilidade do que outras presas à parte material e grosseira da vida. Essa
teoria fica mais explicita em duas obras O Banquete e Fedro. Na
primeira delas, Platão demonstra que o único caminho capaz de elevar a alma ao
mundo das idéias é o amor. Os seres humanos seriam, a princípio, andrógenos e
uma vez tendo sido separados, vivem a procurar sua parelha. Essa busca da alma,
comentada no diálogo n´O Banquete, é muitas vezes marcada por erros. Platão
afirma que os indivíduos inferiores se satisfazem com a forma mais grosseira de
amor: o amor físico. Jaeger em sua Paidéia faz um imenso comentário sobre a
questão dos corpos belos, que geralmente atraem os homens, mas que não são mais
do que a manifestação de um belo absoluto. Ao perceber, por comparação, que a
beleza dos corpos participa de uma beleza absoluta, o homem superior libertasse
do amor inferior, pois descobre que a beleza dos corpos é passageira e passa a
contemplar a beleza em sim mesma desinteressadamente.
Existe, portanto, uma identificação entre Beleza, Verdade e
o Bem, pois o belo é uma característica da verdade, sendo por isso boa
moralmente. É por esse motivo que a fruição da beleza gera prazer e deleite. A
própria sabedoria é amada por sua beleza. Mas a passagem que conduz o ser
humano a fruição da beleza absoluta é entendida dentro dos limites da
reminiscência, já que essa contemplação é ainda uma recordação do que a alma já
contemplou. Na obraFedro, Platão, pela boca de Sócrates, explora a questão do amor.
Mas, embora o amor seja o tema principal do diálogo, nele o Platão explora a
questão da beleza. Procurando provar que o discurso de Lísias, segundo o qual é
preferível que um jovem belo e amado deve conceder seu amor àquele que não o
ama, do que àquele que o ama de fato, declamado no início do diálogo por Fedro,
Platão desenvolve a tese de que o amor é a visão do belo excitada pela paixão
por meio da reminiscência das visões eternas. A alma, que já teria habitado o
mundo das idéias e contemplado a beleza em essência, se compara a uma
carruagem, dirigida pro um cocheiro (intelecto) e puxada por dois corcéis
alados, um dócil (a coragem), outro rebelde (concupiscência). Quando
descontrolada pela concupiscência, a alma pode cair para o mundo sensível e ser
aprisionada num corpo. Algumas se lembram das belezas contempladas no mundo
ideal, outras têm mais dificuldade. Platão defende que a alma é apaixonada pelo
belo e deseja retornar a seu mundo. Segundo Platão (2007: 83) [246 e 247], “O
que é divino é belo, sábio e bom. Dessas qualidades as asas se alimentam e se
desenvolvem, enquanto todas as qualidades contrárias como o que é feio e o que
é mau, fazem-na diminuir e fenecer”. Mais a frente afirma (2007: 91)
[254]: “Quando o cocheiro vê o ser amado, a lembrança o reconduz para
essência da beleza. Este a revê no santo pedestal, ao lado da sabedoria, e ele
se assusta, teme, e necessariamente puxa o freio.E com tal violência o retrai
que ambos os cavalos recuam; o bom voluntariamente e sem resistência; o ruim, entretanto,
a contragosto”. Sobre os discursos escritos, tão utilizados pelos
sofistas, Platão faz sérias críticas e compara a pintura a sofistica, quando
afirma que (2007: 120) [275], “o uso da escrita, Fedr, tem um
inconveniente que se assemelha à pintura. Também as figuras pintadas têm a
atitude de pessoas vivas, mas se alguém as interrogar conservar-se-ão
gravemente caladas. O mesmo sucede com os discursos. Falam das coisas como se
as conhecessem, mas quando alguém quer informar-se sobre qualquer assunto
exposto, eles se limitam a repetir sempre a mesma coisa”. Como se pode
notar, Platão procura aproximar aqueles que enganam, por meio de ilusões
discursivas àqueles que ludibriam através da pintura e da poesia, pois tanto
num caso como no outro, essas artes não têm como objetivo elevar a alma, mas
iludi-la. Isso fica claro quando Platão opõe o discurso sofístico ao
filosófico, ao afirmar que “…Os melhores discursos escritos são os que
servem para reavivar as lembranças dos conhecedores; só as palavras pronunciadas
com o fim de instruir, e que de fato se gravam na alma, sobre o que é justo,
belo e bom, apenas nelas se encontra uma força eficaz, perfeita e divina a
ponto de nelas empregarmos os nossos esforços; somente tais discursos merecem
ser chamados filhos legítimos do orador, gerados por ele próprio, quando esse
orador possui um gênio inventivo, e quando nas almas de outras pessoas eles
engendram descendentes e irmãos que sejam dignos da família. Quanto aos demais
discursos, podemos desprezá-los” (PLATÃO, 2007:123) [277].
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_________. Diálogos: Critão, Menão, Hípias Maior e
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SUASSUNA, Ariano. Iniciação à Estética. 9. ed. Rio de
Janeiro: José Olympio, 2008.
VASQUEZ, Adolfo Sanchez. Convite à Estética. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.
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